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8 de dez. de 2015

Vá se foder!




Eu não gosto de dar conselhos. Muito mais que isso: eu não suporto aconselhar, dizer ao mundo fórmulas inventadas pra se atingir a felicidade, gabaritos prontos sem sujeição a erros, as dez regras para o sucesso, diarreia mental e mais uma porção de coisas que dejetam esse imenso e aquoso bolo fecal.

Definitivamente nunca fui bom com conselhos. Uma porque os conselheiros devem saber muito sobre a vida, geralmente são sábios – algumas vezes são só babacas mesmo –, outra porque em muitas situações meus conselhos não funcionam nem comigo, que gozo minhas alegrias, que amargo minhas tristezas, que sofro meus sofrimentos, que vivo minhas experiências, quem dirá com os outros. Entretanto, sempre que algum desconsolado, não sei por qual maluquice ou desespero, vem me perguntar o que fazer, eu não hesito em dizer sempre a mesma coisa: vá se foder! Digo isso pois é se fodendo que se aprende: a fodeção é a melhor escola, a melhor professora, o melhor aprendizado. A criança que se queima hesita em pôr a mão no fogo novamente; não porque seus pais lhe advertiram, mas porque sentiu a dor de se queimar que a criança pensa duas vezes antes de tocá-lo. E nós, crianças órfãs de pai, de mãe, de deuses quem sabe, estamos fodidos até o último fio de cabelo diante da tirania da vida, essa déspota brutal e sorridente, essa zombeteira insana, que ri das nossas tentativas de criar regras para a felicidade. Fodemo-nos dia após dia, e essas fodeções geralmente nos são muito proveitosas. Serve-nos muito. Só podemos nos aproximar da melhor escolha após o fato consumado, só temos a noção do erro ou do acerto depois de nos fodermos, qualquer coisa antes disso se inclinará a ser mera especulação.

Estamos repletos de queimaduras, queimaduras de primeiro, de segundo e de terceiro grau. Porque já nos fodemos muito, e temos muito ainda que nos foder, e, olha, parece loucura, mas ainda bem que é assim, ainda bem pois aprendemos.

Então, se os conselhos geralmente procuram evitar que nos fodamos, fodam-se todos eles, e você, que se escraviza em gabaritos mentirosos, também: vá se foder um pouquinho.


Gui Rodrigues

Benvindo


Um canto para dois corações,
Um contracanto para duas vozes
Dois instantes um só momento
Vontades unidas, mãos espalmadas,
Verdades atormentadas
Na madrugada poética.
Poesias nascidas do interior de cada um
Fazendo palavras um sentir sem fim
Das imagens criadas nos confins do eu
Um canto sem contracanto
Mas de olhares distantes,
E tão perto como a Lua-senhora
Que mesmo sem perceber a hora
Ilumina as praias e ruas vazias de pessoas
Mas cheias de histórias.

A noite se foi eu fiquei
Esperando o raiar do dia
Para transformar virtualidade
Em nossa realidade.

Sérgio Souza

28 de nov. de 2015

A MARCHA FÚNEBRE




Veja! Um cadafalso lhe espera
ao final de qualquer escolha feita!
Haverá sempre uma besta fera
no fim da caminhada, à espreita!


Seu beijo sutil e mortal venera
a decepada da lâmina estreita
sobre as cabeças, e o medo gera,
como a guilhotina mais perfeita.

Cada um dos segundos que se vive
é mais um dos segundos que se morre,
há, depois da subida, o declive,
e o tempo, acelerado, sempre corre!

Mas se ninguém no mundo nos socorre,
não há também quem da vida nos prive,
pois é sempre morrendo que se vive,
e igualmente vivendo que se morre.
Gui Rodrigues

14 de set. de 2015

O pó flutuando no ar



Sigo sempre só.
Sofro e ando a pé.
Sou um grão de pó
que não sabe que o é.

Cruzo o mundo e em vida sigo,
corro lento e tenho pressa,
pressa de estar comigo,
pressa essa que não cessa.

Triste vou sem nunca ter partido.
quando penso que fui, já voltei.
Volto triste sem sequer ter ido.
Não saí daqui, só andei.

Essa pressa que não cessa
cria a grandeza minha,
pois o vento me professa,
pois o vento me caminha.

Sempre ando a pé.
Sou um grão de pó
que não sabe que o é.
Sigo, sofro e só.

Gui Rodrigues

15 de ago. de 2015

CONVITES DE DIONÍSIO

Vez ou outra me remexo,
com alguma comichão no peito.
O coração me sai do eixo
dum jeito assim meio sem jeito.

Eis que do meu leito me levanto.
Dá vontade de correr e gritar,
dá vontade de morrer e chorar,
dá vontade de sorrir e cantar,
de embrulhar-me todo num manto
tecido por poesia.

Dá-me uma triste alegria,
um tranquilo espanto,
quando em deliciosa sangria,
escuto desafinado canto.

Uma espécie de demônio que é santo
sorri desdentado um sorriso formoso.
Convida-me o bicho, em seu acalanto,
num delírio preguiçoso,
num gesto majestoso,
num fascínio poderoso,
a algum lugar além do mar,
além do céu;
além do meu próprio lar.

Eu vou, sem hesitar.
Entorpeço-me numa transbordante taça de vinho.
Uma miserável gota que escorre lentamente,
parece um poema que sai do meu coração
para a minha mente.
Sinto singular sensação:
estou com a estranha criatura,
ela está em algum lugar,
mas por mais que eu tente,
que esforços eu faça,
embriagando-me nessa taça,
tenho a impressão de estar sempre sozinho.

Não há ninguém, não há caminho.
E por que vejo a estrada,
o tudo e o nada?
Não há ninguém.
E por que escuto vozes?
De onde vêm esses musicais ferozes?

Acometem-me auto-hipnoses,
e quando vejo já estou a escrever.
Vale-me mais criar a esmo,
esperar tudo acontecer.

É que não sei escrever.
Não sei forçar, não sei impor.
Não sei ser escritor,
tampouco segurar a dor.
Deixo sempre a gota transbordar,
por isso sou transbordador.

E de todas as viagens nesse fugidio labor
parecem ter me valido mais as dores,
afinal, onde mais residem os espinhos, senão nas flores?

Furam-me de tal modo esses espinhos,
que talvez eu tenha sentido do meu próprio sangue
os sabores de todos os meus vinhos!

Pois o vermelho que me sai desses furinhos,
ah! Isso eu não aprendi segurar!
Há sangramentos que não se pode estancar,
e transbordos que nos convidam a criar!

E eu descubro, nesse devaneio sem par,
a lição que a vida me faz valer,
que viver me inspira a escrever,
e escrever me inspira a viver.

GUI RODRIGUES










IMAGEM DIFUSA


Confusa, difusa
Perpétua, largada, quebrada 
Pura, nefasta, nua 
Na rua, cores 
Suores, nua, vermelhamente 
Semente, entregue, no ar 
Sabor, delícia, volúpia 
Desejo, perícia, ensejo, 
Cama, lama, pensamento 
Solidão, verde vermelho, paixão.

SÉRGIO SOUZA


Explosão, pensamento, 
Imaginação, momento, 
Semente que escapa da mente 
E semeia no mundo sua cor. 
O sangue da cabeça, da veia, 
Tem no seu vermelho o grandioso verdor, 
Que pula de fora para dentro, 
Do centro – lugar onde mora – , 
Num tremendo estouro; 
Estoura e se escora, 
Grudando nas paredes da vida, 
Este grande tesouro chamado arte, 
E faz de uma situação qualquer 
A partida e o começo, 
A volta e o fim. 
Assim se dá esse escarlate, 
Que jorra e brota, 
Que antes que morra quer que se mate, 
Que quer existir, não no submundo, 
Porque quer sair 
Da cabeça para o mundo.

GUI RODRIGUES

6 de ago. de 2015

VIDA E MORTE CALÇAM IGUAL


           O coveiro e todo o aparato funeral é, sem sombra de dúvida, feito de gente calejada. Imagine, ter de cavar, ou mesmo fabricar lustrosas sepulturas todos os dias, ser o encarregado da maquiagem, ou aqueles mesmo que estão no hospital, que têm de preparar o defunto para o despache - ainda os próprio penar de assistir ao choro desesperado dos viúvos, órfãos e todo o resto, pois “aquele sim era sujeito alegre, amado e bonito!”. Todo o santo dia gente morre às pencas, imagine, em sincronia, ao som de Rachmaninoff, toda essa gente sendo enterrada, cremada, ou por que não na Índia, despachada em pleno Ganges (nos seus barquinhos cuidadosamente preparados para arder em fogo).             A parteira e todo o aparato médico é, sem sombra de dúvida, feito de gente calejada. Imagine, ter de auxiliar, ou até mesmo abrir pessoas todos os dias, ser o encarregado de dar banho, ou aqueles mesmo que estão no hospital, que têm de preparar o bebê para o quarto - ainda os próprio penar de assistir ao choro desesperado dos pais, amantes e todo o resto, pois “aquele sim é neném alegre, amado e bonito!”. Todo o santo dia gente nasce às pencas, imagine, em sincronia, ao som da 9ª de Bee, toda essa gente sendo parida, puxada, ou por que não na Índia, nascida em meio a outros montes, despachada em pleno mundo (nos seus destinos cuidadosamente preparados para arder em fogo).

SÉRGIO SOUZA

3 de ago. de 2015

POR BECOS E VIELAS


Copiar meus próprios versos. Licença
Confiro caderno. Lápis. Apontador.  
Mão. Braço. Abraço. Pulso. Olho. Boca. Nariz.
Nariz? Para que nariz se não plantei canteiro
E poesia não tem cheiro
Poesia sou eu, é você inusitado no bolso como papel.
Papel que dorme dobrado de conchinha 
Ouvido no canto silencioso de quem escreve
Sem sanidade, com vontade de comer coxinha
Normais que mais parece texto sem contexto
Arrumar a mesa, como quem arruma ideias
Faz compras e confere despesa, poeta
Sem cheiro de paladar, com gosto de vida completa
Calor sem ventilador, olho sem lua
Paz. Biscoito. Café. Gente nua.
Macarrão sem molho, salada crua
Você sim, você poeta que descasca maçãs 
Na brisa das manhãs de lugar nenhum
Até descobrir que tem um poema querendo domar você. 

Eu quero que o poema se dane, se lasque
Tome topadas
Beba tanto que fique viciado, dopado
Ele não é de verdade, é boêmio
É perplexo, não usa sexo, faz imaginar
Como vento sem ensejo, leite sem nata
O poeta não é mais. Nem menos
Que um poeta na esquina.

GUI RODRIGUES

28 de jan. de 2015

Senhora das Cruzes


Chora hoje ásias e áfricas
Como choraram ontem as américas
Choram os de pés no chão
Umidecendo o ontem e regando o amanhã.
Se tens fome, rime
Se tens fé, arribe
Se tens estrada, caminhe
Se tens coração, chore
Se tens mãos, tome
E vai em busca do porvir
Pois sua redenção
Está por vir.
Chora o ontem, como chora o hoje
Na certeza do choro do amanhã
Áfricas, ásias e américas
Seus filhos são renegados da esperança
Abandonados ainda criança
Vítimas da fome, bala e vício
Praticantes da dor por ofício.


SÉRGIO SOUZA

Chão de Letras


Na luz do dia a exposição é emoção
Sem rima a noite é poesia
Uma conversa livre, horas nuas
Passos de letras caminham na rua
Sonhos e realidades, minhas, suas
Numa avenida de cor e chuva
Suspiros de vida, encontro e prazer
Desencontros, variedades e vaidades
Um ponto de asfalto na cidade
Misto multicor de verdades e letras
Letras pavimentam o caminho
No desalinho das ideias e gestos
Chutando letras, colhendo palavras
Pintando imagens, fotografias
Trançando ideias, noites e dias
Trocando ilusões, cruzando olhares
Misturando tristezas, doando pesares
Numa exposição interna de valores
Na livraria de autores e cafés.

SÉRGIO SOUZA