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25 de set. de 2014

CARPE DIEM


Eu acabei dormindo. Depois de tudo quem me acordou foi a chuva; já era quase noite. As lembranças transformaram o passado em presente como reprises, e eu levantei para ver a água que o céu chorava. Eu quis também chorar, depois desisti: hoje não é dia de chorar. O gosto da tarde ainda estava na minha boca, meu paladar mantivera esse sabor muito bem conservado, e minha mente ainda estava fresca. Por alguns instantes esqueci-me da tristeza natural hospedada em mim. Ainda bem que às vezes chove, um arco-íris não se formaria apenas com raios solares.
Meus suspiros lamuriosos gradativamente se intensificavam, embora a paz espiritual ainda estivesse descansando em seu trono. A água ia molhando tudo, a rua se ensopava, e meu coração estava calmo. Eu ouvia, sim, o costumeiro grito caótico a desesperar-se dentro de mim, mas tão de longe ele se esperneava dessa vez... À distância à qual ele se encontrava era tamanha a ponto de me encorajar a ignorá-lo. Ele quis me incomodar, mas hoje eu soube tapar os ouvidos. Sei que brevemente, como sempre, cairei em suas armadilhas, sendo capturado pelo meu gênio faminto, devorador de almas: só que não esta noite. O porvir da lua não deixará que o céu se apague quando o sol se retirar para os seus aposentos. Ainda há de brilhar um formoso farol no firmamento, tal como ainda uma luz há de brilhar em meu interior depois do crepúsculo. Hoje, dentro de mim, tudo será silêncio, e os fantasmas se aquietarão no escuro, acometidos pela sonolência que causa o cansaço e as frustrações. Não vencerei a guerra, reconheço minha impotência – e isto é ser verdadeiramente intrépido –, porém nesta madrugada, pelo menos uma vez, sairei vitorioso da batalha, e se eu quiser brindar com o melhor dos vinhos a minha vitória, fá-lo-ei merecidamente. A inquietação vai para a camisa-de-força, e que berre! Ela está aqui, e eu acabo de esmurrá-la. Amordaço-a, sufoco-a, seus protestos apenas encontram malogro. Vou trancafiá-la na mesma cela que ela me trancafia, e ao menos hoje tentarei não me atormentar. Vejo seu sangue se misturar com o meu, vejo abertas minhas feridas. Não me importo, anestesiado nada dói.
Eu sempre pensei que meu maior escapismo fosse a escrita: enganei-me. Escrever é escrever-me, me traz para próximo de mim, ao passo que estar com amigos me distrai das minhas dores, e não pensando nelas esqueço-as completamente, ainda que por mínimos – mas intensos como a eternidade – momentos; é fugir para algum lugar seguro, onde a chuva depois do sono sereno desperte com beijos suaves, cantando sucintamente seus suspiros sossegados; é estar na tempestade acompanhado, em vastos campos verdes abaixo do céu nublado. É, sem dúvida, o momento de silêncio das faces escandalosas do espírito.

Algumas pessoas me fazem tão feliz que com elas eu me esqueço de ser triste. Meu desalento cai em sono profundo toda vez que um amigo de mim se aproxima. Algumas pessoas, mesmo indo embora, ainda ficam.

GUI RODRIGUES

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