Vez ou outra me remexo,
com alguma comichão no peito.
O coração me sai do eixo
dum jeito assim meio sem jeito.
Eis que do meu leito me levanto.
Dá vontade de correr e gritar,
dá vontade de morrer e chorar,
dá vontade de sorrir e cantar,
de embrulhar-me todo num manto
tecido por poesia.
Dá-me uma triste alegria,
um tranquilo espanto,
quando em deliciosa sangria,
escuto desafinado canto.
Uma espécie de demônio que é santo
sorri desdentado um sorriso formoso.
Convida-me o bicho, em seu acalanto,
num delírio preguiçoso,
num gesto majestoso,
num fascínio poderoso,
a algum lugar além do mar,
além do céu;
além do meu próprio lar.
Eu vou, sem hesitar.
Entorpeço-me numa transbordante taça de vinho.
Uma miserável gota que escorre lentamente,
parece um poema que sai do meu coração
para a minha mente.
Sinto singular sensação:
estou com a estranha criatura,
ela está em algum lugar,
mas por mais que eu tente,
que esforços eu faça,
embriagando-me nessa taça,
tenho a impressão de estar sempre sozinho.
Não há ninguém, não há caminho.
E por que vejo a estrada,
o tudo e o nada?
Não há ninguém.
E por que escuto vozes?
De onde vêm esses musicais ferozes?
Acometem-me auto-hipnoses,
e quando vejo já estou a escrever.
Vale-me mais criar a esmo,
esperar tudo acontecer.
É que não sei escrever.
Não sei forçar, não sei impor.
Não sei ser escritor,
tampouco segurar a dor.
Deixo sempre a gota transbordar,
por isso sou transbordador.
E de todas as viagens nesse fugidio labor
parecem ter me valido mais as dores,
afinal, onde mais residem os espinhos, senão nas flores?
Furam-me de tal modo esses espinhos,
que talvez eu tenha sentido do meu próprio sangue
os sabores de todos os meus vinhos!
Pois o vermelho que me sai desses furinhos,
ah! Isso eu não aprendi segurar!
Há sangramentos que não se pode estancar,
e transbordos que nos convidam a criar!
E eu descubro, nesse devaneio sem par,
a lição que a vida me faz valer,
que viver me inspira a escrever,
e escrever me inspira a viver.
com alguma comichão no peito.
O coração me sai do eixo
dum jeito assim meio sem jeito.
Eis que do meu leito me levanto.
Dá vontade de correr e gritar,
dá vontade de morrer e chorar,
dá vontade de sorrir e cantar,
de embrulhar-me todo num manto
tecido por poesia.
Dá-me uma triste alegria,
um tranquilo espanto,
quando em deliciosa sangria,
escuto desafinado canto.
Uma espécie de demônio que é santo
sorri desdentado um sorriso formoso.
Convida-me o bicho, em seu acalanto,
num delírio preguiçoso,
num gesto majestoso,
num fascínio poderoso,
a algum lugar além do mar,
além do céu;
além do meu próprio lar.
Eu vou, sem hesitar.
Entorpeço-me numa transbordante taça de vinho.
Uma miserável gota que escorre lentamente,
parece um poema que sai do meu coração
para a minha mente.
Sinto singular sensação:
estou com a estranha criatura,
ela está em algum lugar,
mas por mais que eu tente,
que esforços eu faça,
embriagando-me nessa taça,
tenho a impressão de estar sempre sozinho.
Não há ninguém, não há caminho.
E por que vejo a estrada,
o tudo e o nada?
Não há ninguém.
E por que escuto vozes?
De onde vêm esses musicais ferozes?
Acometem-me auto-hipnoses,
e quando vejo já estou a escrever.
Vale-me mais criar a esmo,
esperar tudo acontecer.
É que não sei escrever.
Não sei forçar, não sei impor.
Não sei ser escritor,
tampouco segurar a dor.
Deixo sempre a gota transbordar,
por isso sou transbordador.
E de todas as viagens nesse fugidio labor
parecem ter me valido mais as dores,
afinal, onde mais residem os espinhos, senão nas flores?
Furam-me de tal modo esses espinhos,
que talvez eu tenha sentido do meu próprio sangue
os sabores de todos os meus vinhos!
Pois o vermelho que me sai desses furinhos,
ah! Isso eu não aprendi segurar!
Há sangramentos que não se pode estancar,
e transbordos que nos convidam a criar!
E eu descubro, nesse devaneio sem par,
a lição que a vida me faz valer,
que viver me inspira a escrever,
e escrever me inspira a viver.
GUI RODRIGUES