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15 de ago. de 2015

CONVITES DE DIONÍSIO

Vez ou outra me remexo,
com alguma comichão no peito.
O coração me sai do eixo
dum jeito assim meio sem jeito.

Eis que do meu leito me levanto.
Dá vontade de correr e gritar,
dá vontade de morrer e chorar,
dá vontade de sorrir e cantar,
de embrulhar-me todo num manto
tecido por poesia.

Dá-me uma triste alegria,
um tranquilo espanto,
quando em deliciosa sangria,
escuto desafinado canto.

Uma espécie de demônio que é santo
sorri desdentado um sorriso formoso.
Convida-me o bicho, em seu acalanto,
num delírio preguiçoso,
num gesto majestoso,
num fascínio poderoso,
a algum lugar além do mar,
além do céu;
além do meu próprio lar.

Eu vou, sem hesitar.
Entorpeço-me numa transbordante taça de vinho.
Uma miserável gota que escorre lentamente,
parece um poema que sai do meu coração
para a minha mente.
Sinto singular sensação:
estou com a estranha criatura,
ela está em algum lugar,
mas por mais que eu tente,
que esforços eu faça,
embriagando-me nessa taça,
tenho a impressão de estar sempre sozinho.

Não há ninguém, não há caminho.
E por que vejo a estrada,
o tudo e o nada?
Não há ninguém.
E por que escuto vozes?
De onde vêm esses musicais ferozes?

Acometem-me auto-hipnoses,
e quando vejo já estou a escrever.
Vale-me mais criar a esmo,
esperar tudo acontecer.

É que não sei escrever.
Não sei forçar, não sei impor.
Não sei ser escritor,
tampouco segurar a dor.
Deixo sempre a gota transbordar,
por isso sou transbordador.

E de todas as viagens nesse fugidio labor
parecem ter me valido mais as dores,
afinal, onde mais residem os espinhos, senão nas flores?

Furam-me de tal modo esses espinhos,
que talvez eu tenha sentido do meu próprio sangue
os sabores de todos os meus vinhos!

Pois o vermelho que me sai desses furinhos,
ah! Isso eu não aprendi segurar!
Há sangramentos que não se pode estancar,
e transbordos que nos convidam a criar!

E eu descubro, nesse devaneio sem par,
a lição que a vida me faz valer,
que viver me inspira a escrever,
e escrever me inspira a viver.

GUI RODRIGUES










IMAGEM DIFUSA


Confusa, difusa
Perpétua, largada, quebrada 
Pura, nefasta, nua 
Na rua, cores 
Suores, nua, vermelhamente 
Semente, entregue, no ar 
Sabor, delícia, volúpia 
Desejo, perícia, ensejo, 
Cama, lama, pensamento 
Solidão, verde vermelho, paixão.

SÉRGIO SOUZA


Explosão, pensamento, 
Imaginação, momento, 
Semente que escapa da mente 
E semeia no mundo sua cor. 
O sangue da cabeça, da veia, 
Tem no seu vermelho o grandioso verdor, 
Que pula de fora para dentro, 
Do centro – lugar onde mora – , 
Num tremendo estouro; 
Estoura e se escora, 
Grudando nas paredes da vida, 
Este grande tesouro chamado arte, 
E faz de uma situação qualquer 
A partida e o começo, 
A volta e o fim. 
Assim se dá esse escarlate, 
Que jorra e brota, 
Que antes que morra quer que se mate, 
Que quer existir, não no submundo, 
Porque quer sair 
Da cabeça para o mundo.

GUI RODRIGUES

6 de ago. de 2015

VIDA E MORTE CALÇAM IGUAL


           O coveiro e todo o aparato funeral é, sem sombra de dúvida, feito de gente calejada. Imagine, ter de cavar, ou mesmo fabricar lustrosas sepulturas todos os dias, ser o encarregado da maquiagem, ou aqueles mesmo que estão no hospital, que têm de preparar o defunto para o despache - ainda os próprio penar de assistir ao choro desesperado dos viúvos, órfãos e todo o resto, pois “aquele sim era sujeito alegre, amado e bonito!”. Todo o santo dia gente morre às pencas, imagine, em sincronia, ao som de Rachmaninoff, toda essa gente sendo enterrada, cremada, ou por que não na Índia, despachada em pleno Ganges (nos seus barquinhos cuidadosamente preparados para arder em fogo).             A parteira e todo o aparato médico é, sem sombra de dúvida, feito de gente calejada. Imagine, ter de auxiliar, ou até mesmo abrir pessoas todos os dias, ser o encarregado de dar banho, ou aqueles mesmo que estão no hospital, que têm de preparar o bebê para o quarto - ainda os próprio penar de assistir ao choro desesperado dos pais, amantes e todo o resto, pois “aquele sim é neném alegre, amado e bonito!”. Todo o santo dia gente nasce às pencas, imagine, em sincronia, ao som da 9ª de Bee, toda essa gente sendo parida, puxada, ou por que não na Índia, nascida em meio a outros montes, despachada em pleno mundo (nos seus destinos cuidadosamente preparados para arder em fogo).

SÉRGIO SOUZA

3 de ago. de 2015

POR BECOS E VIELAS


Copiar meus próprios versos. Licença
Confiro caderno. Lápis. Apontador.  
Mão. Braço. Abraço. Pulso. Olho. Boca. Nariz.
Nariz? Para que nariz se não plantei canteiro
E poesia não tem cheiro
Poesia sou eu, é você inusitado no bolso como papel.
Papel que dorme dobrado de conchinha 
Ouvido no canto silencioso de quem escreve
Sem sanidade, com vontade de comer coxinha
Normais que mais parece texto sem contexto
Arrumar a mesa, como quem arruma ideias
Faz compras e confere despesa, poeta
Sem cheiro de paladar, com gosto de vida completa
Calor sem ventilador, olho sem lua
Paz. Biscoito. Café. Gente nua.
Macarrão sem molho, salada crua
Você sim, você poeta que descasca maçãs 
Na brisa das manhãs de lugar nenhum
Até descobrir que tem um poema querendo domar você. 

Eu quero que o poema se dane, se lasque
Tome topadas
Beba tanto que fique viciado, dopado
Ele não é de verdade, é boêmio
É perplexo, não usa sexo, faz imaginar
Como vento sem ensejo, leite sem nata
O poeta não é mais. Nem menos
Que um poeta na esquina.

GUI RODRIGUES