Havia
um rebuliço muito grande nas ruas, realmente algo notório ocorria. Algum herói
nacional honrado e forte nascia; um messias libertador ou algo parecido teria
nos jornais, noticiários, resumindo, em toda sorte de veículos de informação,
seu rosto estampado por semanas, meses, anos, e a História o conservaria
incólume, como que embalsamado, e todos o aclamariam pelos séculos, e
inspiraria grandes autores que, por sua vez, inspirariam muitos jovens, e,
todos eles inspirados, tornar-se-iam grandes pessoas, sendo, por conseguinte,
exemplo para outras futuras grandes pessoas. Sinceramente, não sei bem o que
acontecia – até hoje não sei, inclusive – sei que algo grandioso ocorria. E se
eu não posso dizer com perfeição o que acontecia é devido a uma única coisa: um
grão de areia. Enquanto toda a gente gritava em veemência de uma ideia,
enquanto enalteciam seus próprios egos, enquanto emocionavam-se orgulhosos de
suas boas ações, de suas vitórias, de suas derrotas de cabeça erguida, de suas
lutas por lindos ideais, com bandeiras mareadas pelos ventos da honra durante a
batalha, satisfeitos de espírito e consciência leve como poeira no travesseiro
durante o sono deleitável e tranquilo , enquanto tudo isso ocorria, distraía-me
um pequenino grão de areia. Ah! Tão simplesinho; miúdo que era quase incolor,
quietinho e despercebido em seu canto, na solidão de não ter para si a atenção
de nenhum daqueles olhos brilhosos e ocupados em realizar grandes feitos.
Entretanto, era o mais belo e esplêndido grãozinho de areia que a terra já
concebeu.
Forcei-o
com o indicador contra o chão e ele grudou pequeno, por entre os sulcos das
minhas digitais. Acariciei-o ternamente com o polegar, fazendo-o deslizar
deliciosamente pelas digitais. Fitei-o o dia todo; deixei-o repousado sob a
cachoeira de luz que o sol concedera, e não pude desviar dele meu olhar de
admiração por um minuto sequer. Enquanto todos faziam algo grandioso, útil,
valoroso, algo com que pudessem se orgulhar por toda a vida, contar para os
filhos, netos, bisnetos, sendo para todos eles um instrumento de inspiração, a
qual viria a encantar e amolecer seus
corações motivá-los em seus afazeres,
enquanto todos se dispunham a entregar suas vidas a uma causa e morrer com
dignidade, garantindo, em seus funerais, o pranto de milhares de outras nobres
pessoas admiradoras, idólatras do heroísmo, sendo lembrados por livros,
documentários, filmes, quadros, estátuas, feriados, tendo seus nomes
imortalizados em ruas, avenidas, rodovias, bairros, cidades, rios, museus, grandes
instituições, eu dizia, enquanto todos faziam algo grandioso, com meta e força
de vontade, eu sonhava, contemplava e adorava a graça de um miúdo, quase
imperceptível, grão de areia, numa apoteose do minúsculo.
É
que não me importam as coisas grandiosas, só as pequenas e aquelas que sonho.
Talvez eu não seja exemplo para ninguém. Atire a primeira pedra quem for.
GUI RODRIGUES
Nenhum comentário:
Postar um comentário