MOMENTO NUM CAFÉ!
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30 de ago. de 2018
29 de abr. de 2017
SONETO
Sob a luz da Lua-necessidade
Do verso interior, rio caudaloso
Canta o cantador-serenidade
Fruto do escuro silencioso,
Que invade a beleza da solidão
Vivida sem vida, que convida
As batidas livres do coração
E o poeta-trôpego das letras, á lida.
Com a Lua, senhora-moça na rua
Na rede da quase real imagem
Na varanda da ilusão sonhadora.
Ecoa seu canto-cisne e destrua
Nosso sonho-dor em rica plumagem
Quebrando a secreta caixa de Pandora.
Sérgio Souza
18 de jan. de 2017
18 de jul. de 2016
E é? E não é?
Sérgio Souza
“Noves fora
são quase nada, era de vidro o anel, dei meia volta na ciranda, volta e meia
quero dar”, virou a esquina o cantador a cantar este refrão, assim mesmo,
redundante, cheio de lugares comuns, de frases feitas, afinal, a vida é um
lugar comum.
Comum
como ele que seguia com sua violinha de corda quebrada, com as vestes que a
providência lhe dera; ia como quem nunca chegou, mas também nunca partira,
sempre estivera ali, na esquina, uma confluência da avenida do passado com a
rua do futuro, o presente passou ao largo.
Passaram
muitos invisíveis por ele, iam de gravatas e maletas e chapéus, passaram sem
notar a presença do ontem, sem notar que por ali passava no garbo de frangalhos
um coração que batia os pés no mesmo compasso. Era um alguém que ficou um passo
atrás na vida, mas que andava uma batida á frente de quem nunca saiu do lugar,
como os passantes que passavam sem sair do lugar, ele ia; cantando o encanto do
desencanto dele e todos nós, ia, simplesmente ia, girando sua ciranda que não
fora Lia de Itamaracá quem lhe dera, mas girava dissonante na sua conta
imprecisa.
Parou na esquina outra, sentou no meio fio frio da
calçada, descansou sua viola de corda quebrada para conversar com o inaudível e
assim ficou balbuciando seu passado a limpo, como quem corrige; como quem agora
sabe o que quer ou diz, no relógio da padaria moscarenta o dia já passava do
meio mais um quarto, mas para ele o tempo é uma única verdade, é único. O que é
contar o tempo para quem perdeu a noção dele?
Um devorador de almas,
mas das almas que com ele se preocupam, como as dos passantes alheios no seu
internato pensante, o tempo só tem sentido para aquele que acordou depois do
tempo.
O quê habitava aquela mente? Uma pergunta que circundava
o ar, pergunta que inquietava a quem o observava pela lente do medo que as
pessoas sentem dos maltrapilhos, dos sarjetantes; aqueles, os bem-nascidos.
Trazia no rosto, não a marca do tempo vivido, mas o
vivido pelo tempo, rosto queimado das labaredas das fornalhas da vida,
escaldante senhor de inúmeras caldeiras, rosto de quem forjou muito ferro na
fornalha da vida, cada marca daquela, na face, era depositária da lembrança de
suas batalhas, suas discussões com Deus, com os amores e dores fatais, a quem
por si, com certeza, por muitas situações respondeu: “Não!”
As
mãos grossas de empunhar os arietes contra minaretes e campanários era exemplo
de muitas carícias em dorso duro de amante indomável, mas eram marca de quem
jamais se deixou levar pela brisa traiçoeira ou os ventos impositivos das
casacas, ou sedutoras sedas dos lençóis de alcova; hoje senhor das esquinas,
onde outrora reinara junto às rainhas nuas das horas mortas, sua aparência
septuagenária exalava sua disposição dos quarenta e poucos que carregava.
Todos
pararam quando aquela senhora, sim; uma senhora, dessas que guardam consigo os
segredos das poções mágicas, daquelas senhoras que venceram Chronus e desafiam
as ampulhetas, aproximou com o ar
cândido de quem é superior; guardaram suas respirações aqueles que observavam.
O contato foi lento, no compasso de que anda na vagareza da eternidade, puxou
de um envelhecido cachimbo, acendeu-o com a brasa da ansiedade dos
espectadores, olhou-o com fixação e num átimo, de quem puxa o ar pela última
vez, cochichou palavras que a curiosidade não decifrou. O homem esboçou um
gesto com a cabeça, enfiou a mão na sacola ensebada e retirou uma fotografia
cheia de quebraduras, que lhe denunciava o tempo, murmurou algo que só a velha
senhora soube o que foi, e duas grossas lágrimas correram por entre os sulcos
escavados em cada face pelo arado da existência.
“Apesar
de não lhe ver, sinto sua presença em minha vida, sinto sua falta todos os
dias.” A frase estampava o muro de periferia á nossa
frente, isso fez os senhores da padaria moscarenta pensar nas ausências
presentes em nossas vidas, que segredos guardavam aqueles velhos baús
ambulantes que um simples cromo amarelado faria desprender tão caudalosos rios
por seus vales faciais?
Um
senhor de casaca preta surrada tirou o chapéu como quem reverencia um féretro
que passa em seu passo lento, outro descansou o queixo sobre a palma da mão
como quem suspira na espera de um amor que não vem, o balconista lançou o pano
de louça sobre o ombro, abriu um largo sorriso e negou a cena; faltou-lhe um
detalhe para saborear a passagem, envelhecer.
Ficaram
ali o tempo eterno das caudalosas lágrimas percorrerem todos os canais, como
quem lava ou como quem queima tal lava incandescente deslizando cinzentamente e
suave pela encosta vesuviana de cada face; a plateia impaciente só faltou
irromper em aplausos, o teatro do absurdo não produziria cena mais marcante.
Um
senhor careca, desses que gostam de contar “causos”, trajando uma bermuda
marrom surrada, uma camisa regata encardida e um chinelo de modelo havaiano que
deixou lembranças, disse em tom forte e rouco que aquilo só poderia ser
armação, os dois estariam planejando algum roubo, pois no seu dizer, essa gente
só serve para isto. O incômodo foi geral.
O
destempero não atingiu a esquina oposta, ali estavam duas parcelas de uma só
somatória, noves fora quase nada, ou quase uma ciranda sem anel. Levantaram-se
do meio da sarjeta poeirenta, deixando ali suas mentiras e verdades, não sem
antes a velha senhora retirar dos seios mais um
mistério, uma carta de baralho, velha como quem a portava, era um rei de
copas, ninguém entendeu; mas abriram uma gargalha como o sol que descortina a
noite, deixaram-na cair como quem perde a coroa, ficou ali, no chão, rastejante
como um plebeu renegado, mas antes de partirem, aquelas duas flores do asfalto,
cada qual em seu roteiro; ela lhe disse claramente: isso é saudade.
Ele
retrucou: e é? Ela respondeu: e não é?
8 de dez. de 2015
Vá se foder!
Eu não gosto de dar conselhos. Muito mais que isso: eu não suporto aconselhar, dizer ao mundo fórmulas inventadas pra se atingir a felicidade, gabaritos prontos sem sujeição a erros, as dez regras para o sucesso, diarreia mental e mais uma porção de coisas que dejetam esse imenso e aquoso bolo fecal.
Definitivamente nunca fui bom com conselhos. Uma porque os conselheiros devem saber muito sobre a vida, geralmente são sábios – algumas vezes são só babacas mesmo –, outra porque em muitas situações meus conselhos não funcionam nem comigo, que gozo minhas alegrias, que amargo minhas tristezas, que sofro meus sofrimentos, que vivo minhas experiências, quem dirá com os outros. Entretanto, sempre que algum desconsolado, não sei por qual maluquice ou desespero, vem me perguntar o que fazer, eu não hesito em dizer sempre a mesma coisa: vá se foder! Digo isso pois é se fodendo que se aprende: a fodeção é a melhor escola, a melhor professora, o melhor aprendizado. A criança que se queima hesita em pôr a mão no fogo novamente; não porque seus pais lhe advertiram, mas porque sentiu a dor de se queimar que a criança pensa duas vezes antes de tocá-lo. E nós, crianças órfãs de pai, de mãe, de deuses quem sabe, estamos fodidos até o último fio de cabelo diante da tirania da vida, essa déspota brutal e sorridente, essa zombeteira insana, que ri das nossas tentativas de criar regras para a felicidade. Fodemo-nos dia após dia, e essas fodeções geralmente nos são muito proveitosas. Serve-nos muito. Só podemos nos aproximar da melhor escolha após o fato consumado, só temos a noção do erro ou do acerto depois de nos fodermos, qualquer coisa antes disso se inclinará a ser mera especulação.
Estamos repletos de queimaduras, queimaduras de primeiro, de segundo e de terceiro grau. Porque já nos fodemos muito, e temos muito ainda que nos foder, e, olha, parece loucura, mas ainda bem que é assim, ainda bem pois aprendemos.
Então, se os conselhos geralmente procuram evitar que nos fodamos, fodam-se todos eles, e você, que se escraviza em gabaritos mentirosos, também: vá se foder um pouquinho.
Gui Rodrigues
Benvindo
Um contracanto para duas vozes
Dois instantes um só momento
Vontades unidas, mãos espalmadas,
Verdades atormentadas
Na madrugada poética.
Poesias nascidas do interior de cada um
Fazendo palavras um sentir sem fim
Das imagens criadas nos confins do eu
Um canto sem contracanto
Mas de olhares distantes,
E tão perto como a Lua-senhora
Que mesmo sem perceber a hora
Ilumina as praias e ruas vazias de pessoas
Mas cheias de histórias.
A noite se foi eu fiquei
Esperando o raiar do dia
Para transformar virtualidade
Em nossa realidade.
Sérgio Souza
28 de nov. de 2015
A MARCHA FÚNEBRE
Veja! Um cadafalso lhe espera
ao final de qualquer escolha feita!
Haverá sempre uma besta fera
no fim da caminhada, à espreita!
Seu beijo sutil e mortal venera
a decepada da lâmina estreita
sobre as cabeças, e o medo gera,
como a guilhotina mais perfeita.
Cada um dos segundos que se vive
é mais um dos segundos que se morre,
há, depois da subida, o declive,
e o tempo, acelerado, sempre corre!
Mas se ninguém no mundo nos socorre,
não há também quem da vida nos prive,
pois é sempre morrendo que se vive,
e igualmente vivendo que se morre.
Gui Rodrigues
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